Igreja que abriga restos mortais de Aleijadinho será reaberta após nove anos

Os sons das ferramentas e das tubulações metálicas dos andaimes em desmonte em breve serão substituídos pelo repicar dos sinos. A paisagem de casas brancas com janelas coloridas já se despede do vai e vem de operários, que passam pelas ruas sinuosas e as calçadas de pedras com algumas latas de tintas e pincéis em mãos.

Instrumentos que, usados no mesmo ritmo, dão um novo tom as paredes e as artes sacras do Santuário Matriz Nossa Senhora da Conceição, em Ouro Preto, na região Central de Minas Gerais. Fechado desde 2013, o Santuário, que abriga os restos mortais de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, está em processo final de restauração. O trabalho durou nove anos e será entregue à comunidade, aos fiéis e aos turistas.

As obras começaram quando o até então pároco do Santuário, o cônego Luiz Carlos César Ferreira Carneiro, percebeu a necessidade de uma reforma na estrutura da igreja. "Havia uma urgência por obras no telhado e também nas paredes, elas podiam se abrir", conta o atual pároco e reitor do Santuário, Edmar José da Silva.

Os trabalhos foram divididos em duas etapas: a reforma da estrutura e a restauração dos itens artísticos e decorativos. O investimento é de cerca de R$ 7 milhões, recurso obtido junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), do Governo Federal.A igreja foi construída no século XVIII, em 1727, por Manuel Francisco Lisboa, pai de Aleijadinho, uma das principais referências do barroco mineiro.

O templo consta de oito altares laterais, de rica e variada talha de rococó, com grande influência portuguesa. Em um desses altares, o de Nossa Senhora da Boa Morte, localizado à direita, próximo a entrada principal da igreja, estão sepultados o artista mineiro e o pai. "Há relatos de que eles pertenciam a irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, por isso foram enterrados aqui", relata o pároco Edmar José da Silva.Os trabalhos nos itens decorativos e artísticos foram motivados, principalmente, pelo desgaste de dois destes altares laterais, os de São José, pai de Jesus, e o de São Sebastião.

Os espaços de veneração, onde os fiéis fazem suas preces aos santos de devoção, haviam perdido o douramento e parte da riqueza dos detalhes se desgastou com a poeira e a sujeira acumulada ao longo dos anos. Um dos motivos é que, no passado, com a iluminação feita a velas e com candeeiros, a fuligem cobriu as pinturas originais dos altares. "Foi necessário esse trabalho com os elementos de beleza, não só pela fé, mas pelo que representam para a história da cidade", diz o padre. Durante as intervenções, algumas surpresas, que estavam escondidas ao longo do tempo, foram reveladas.

No teto de um dos corredores à direita e também na sacristia, aos fundos da igreja, duas pinturas do século XVIII permaneceram por décadas cobertas por sete camadas de tinta branca. Os desenhos, agora descobertos, expressam em cores vibrantes adornos sacros e a imagem de Jesus Cristo junto a sua mãe, Maria. "É algo que ninguém, em vida, conhecia", conta o pároco. O Santuário ainda possui o Altar-Mor, onde encontra-se a imagem da Virgem de Imaculada Conceição, modelada em tamanho natural, no ano de 1893. As talhas desse altar foram executadas em colunas salomônicas, entre os anos de 1760 e 1765.

No período em que o Santuário esteve fechado, as atividades e as celebrações religiosas foram transferidas para a Igreja de São Francisco de Assis, a cerca de 300 metros. A reabertura para os fiéis será na semana entre os dias 16 e 26 de agosto. No próximo dia 20, o templo será abençoado pelo Arcebispo de Mariana, Dom Airton José dos Santos. A inauguração oficial está prevista para novembro, após o período eleitoral.

Restauração e o vínculo afetivo com o bairro

Os olhares contemplativos revelam o sentimento de curiosidade de quem visita a cidade e passa próximo ao Santuário Matriz Nossa Senhora da Conceição e o encontra fechado. Do lado de fora das grades que cercam todo o templo, os celulares registram em fotos e selfies o deslumbramento dos turistas.

O mesmo ocorre com quem mora na região e se viu impedido de frequentar um espaço que faz parte da história do bairro e das diversas famílias que por ali residem. "Nove anos demoraram a passar, né? A gente teve impressão de que foi muito mais tempo", brinca a aposentada Alayde Severo, de 82 anos.Com os passos lentos, ela se aproxima vagarosamente de um grupo de outras três mulheres conhecidas que estão em frente a uma loja de artigos diversos, ao lado da Igreja.

Sem muitas apresentações, Alayde interrompe a conversa das conhecidas e logo dá o tom do novo assunto. "Por aqui, o pessoal adora essa Igreja, estão todos sentindo muita falta, principalmente os mais idosos", disse com o sorriso no rosto e o dedo apontando para cada uma das outras três mulheres. As histórias do Santuário e da família de Alayde se completam. Ali, dois dos seus filhos foram batizados.

A Igreja também já celebrou casamentos e crismas, que são sacramentos do catolicismo, de outros vários membros da família da aposentada. "Nós temos outras Igrejas, mas tudo era feito aqui", conta. Quem reside no bairro Antônio Dias convive com vínculo afetivo com o templo religioso. Além de ser um local dos encontros de fé, a Igreja também é fonte de renda e de celebrações de momentos familiares.

O atual pároco e reitor do Santuário, Edmar José da Silva, conta que é perceptível a relação dos moradores com a Igreja. "Quando eu cheguei aqui, em 2020, decidi tocar os sinos pela primeira vez desde que ela foi fechada. Muitas pessoas se emocionaram", relata o padre.

Os sinos da Santuário Matriz Nossa Senhora da Conceição possuem uma tonalidade específica, assim como os sinos das demais igrejas. Durante o processo da restauração artística e dos itens de beleza do Santuário, a comunidade também aderiu à reforma. Algumas das imagens que embelezam a Igreja não estavam contempladas no projeto original.

A paróquia criou, então, a campanha "Adote uma Imagem". A ação, prevista para durar um ano, se encerrou rapidamente quando conseguiram arrecadar recursos suficientes para custear as 23 imagens. "Rapidamente, 18 imagens foram apadrinhadas por 18 famílias. As outras cinco foram apadrinhadas por 206 pessoas que não tinham recursos suficientes, mas queriam ajudar", conta o pároco.

O valor dos restauros das imagens oscilou de R$ 2 mil a R$ 30 mil reais.A beleza da Igreja e a rivalidade entre Jacubas e Mocotós. O contraste de luzes e sombras formado pela imponência do Santuário e que se expande pelas ruas Bernardo Vasconcellos e da Conceição, que delimitam as laterais do quarteirão onde a igreja está localizada, contribui para o charme do bairro Antônio Dias.

A região, que no passado era povoada por garimpeiros simples, trazidos por bandeiras paulistas, se notabilizou ao longo dos anos pela arquitetura e beleza dos detalhes. Elementos que são percebidos em alguns dos pontos turísticos do bairro, tais como a Ponte dos Suspiros, a única no estilo romano na cidade, o Chafariz da Marília, de 1759, e o próprio Santuário de Nossa Senhora da Conceição.

"A rivalidade que ocorreu ao longo dos anos fez com que as paróquias da cidade procurassem embelezar cada vez mais os seus templos", explica o curador de arte e hoje prefeito de Ouro Preto, Ângelo Oswaldo (PV). Ele conta que, no passado, quando o arraial do Antônio Dias e o arraial do Ouro Preto (Pilar), tiveram que se unir para formar uma única vila, a famosa Vila Rica, hoje Ouro Preto, uma rivalidade se instalou entre os fieis de duas Paróquias que existiam no território, antes mesmo da organização civil político administrativa da cidade.

"A comunidade de Antônio Dias e a do Pilar antecederam a criação de Ouro Preto. Quando a Vila foi criada, os paroquianos estavam em conflito", conta.A partir dessa unificação, a disputa passou a dividir o centro histórico da cidade e uma linha imaginária foi estabelecida na famosa Praça Tiradentes. O local, que antigamente era conhecido como Morro de Santa Quitéria e hoje é um dos principais símbolos turísticos do município, se tornou então ponto de encontro e de divisão desses dois grupos ouro-pretanos.

"De um lado, o de Antônio Dias, estavam os brasileiros e os paulistas. Do outro, do Pilar, os portugueses, naturais do reino. Jacubas e mocotós", explica Oswaldo.Estes eram os nomes pelos quais estes dois grupos eram conhecidos. Os termos faziam referência aos alimentos dos garimpeiros, de Antônio Dias, e dos portugueses, de Pilar.

"Os jacubas comiam farinha (garimpeiros) e os mocotós comiam carne (portugueses)", conta o prefeito. A rivalidade "estimulou" durante décadas uma competição entre as Igrejas e os bairros. Enquanto os jacubas investiam no charme das casas, nas paisagens e no templo, os mocotós apostavam na riqueza e prosperidade dos que ali moravam. Hoje, a rivalidade perdeu-se no tempo e tornou-se mais uma das histórias que se espalham pela cidade.

A expectativa econômica com a restauração

"Quando eu comecei a trabalhar, ela já estava fechada. E agora a expectativa é de que melhore com a reabertura". O depoimento é da atendente e gerente de uma padaria localizada nas proximidades da Igreja, Rayane Moreira da Silva. Ela começou a trabalhar no local em junho do ano passado. Não acompanhou o auge do movimento dos turistas, mas espera, assim como os demais comerciantes, que o comércio volte a ficar aquecido com as atividades no Santuário.

"As pessoas perguntam porque a Igreja está fechada, querem conhecer. Acho que vai melhorar", diz.A reabertura da Igreja é também a esperança para a retomada do turismo e do comércio na região do bairro Antônio Dias. Isso porque toda a vida do bairro gira em torno da Igreja Matriz. O comércio e o turismo estão relacionados às atividades religiosas. Desde o fechamento para a restauração, a arrecadação do comércio local com os turistas diminuiu.

Segundo o prefeito Angelo Oswaldo (PV), a reabertura deve representar uma arrecadação até três vezes maior com o movimento dos turistas. "A Igreja exerce uma atração especial nos fluxos turísticos da cidade. Além da fé, ela tem o Museu do Aleijadinho, a sepultura dele com o pai", revelou o prefeito. Desde o fechamento para restauração da Matriz, as atividades no Museu no Santuário Matriz Nossa Senhora da Conceição também foram interrompidas.

Algumas das imagens foram transferidas para a Igreja de São Francisco de Assis. Agora, com o término das obras, o espaço criado em 1968, pelo então pároco, Padre Francisco Barroso Filho, Bispo Emérito de Oliveira, voltará a receber visitantes. A exposição, que ocupa a antiga sacristia, o consistório e o porão do Santuário, reúne várias obras do mestre do barroco mineiro, como os leões de Eça, a imagem de São Francisco de Paula e um cristo crucificado.

"Reabrir a Igreja e o Museu é também reaquecer o turismo e comércio da região", conta o pároco e reitor do Santuário, Edmar José da Silva.As festividades de reabertura da IgrejaAs celebrações para festividade de bênçãos serão entre os dias 19 e 26 de agosto. Após as cerimônias, será necessário ainda um período para finalização dos trabalhos de restauração, o que não possibilitará a abertura definitiva do Santuário para visitas e celebrações.

Dia 19/08 - Sexta-Feira

19h - Missa Festiva na Igreja de São Francisco de Assis. Após a Celebração, procissão conduzindo de forma solene, o Santíssimo Sacramento até o Santuário Matriz de Nossa Senhora da Conceição. À chegada, Bênção do Santíssimo Sacramento.

Dia 20/08 - Sábado

18h - Procissão com a Imagem de Nossa Senhora da Conceição saindo da Igreja de São Francisco de Assis em direção ao Santuário.

18h30 - Acolhida do Arcebispo, abertura Solene da Porta Principal do Santuário Matriz e entrada Pontifical.

19h - Missa Solene Cantada, presidida pelo Exmo. Revmo. O Sr. Dom Airton José dos Santos, DD. Arcebispo Metropolitano de Mariana - MG, com rito de Benção da Igreja seguida de Coroação da Imagem de Nossa Senhora da Conceição.

Dia 21/08 - Domingo

6h - Alvorada Festiva com repique de sinos

8h - Celebração da Santa Missa Festiva

10h - Celebração da Santa Missa Festiva

16h - Concerto de Cravo com a organista Josineia Godinho.

19h - Celebração da Santa Missa Festiva, seguida de Solene Canto de Te Deus Laudamus

20h30 - Apresentação do Coral Canarinhos de Itabirito - MG

Durante o dia haverá Retretas com Corporações Musicais, Congados, Pastorinhas e Fanfarras no adro do Santuário.

Dia 22/08 - Segunda-feira

9h - Café com os guias turísticos e funcionários da Paróquia e Museu Aleijadinho, seguido de visita guiada à Matriz de Nossa Senhora da Conceição com ênfase aos bens restaurados.

18h - Santa Missa no Santuário Matriz de Nossa Senhora da Conceição.

19h - Inauguração do Terço dos Homens Nossa Senhora da Conceição, com a presença do Terço dos Homens da Paróquia São Sebastião de Itabirito - MG

Dia 23/08 - Terça-feira

19h - Santa Missa Festiva presidida pelo Revmo. Pároco da Paróquia Santa Efigênia, com participação especial dos paroquianos. Ao final, homenagem dos visitantes à Imaculada Conceição.

Dia 24/08 - Quarta-feira

19h - Santa Missa Festiva presidida pelo Revmo. Pároco da Paróquia Cristo Rei, com participação especial dos paroquianos. Ao final, homenagem dos visitantes à Imaculada Conceição.

Dia 25/08 - Quinta-feira

19h - Santa Missa Festiva presidida pelo Revmo. Pároco da Paróquia Santa Rita de Cássia de Santa Rita de Ouro Preto, com participação especial dos paroquianos. Ao final, homenagem dos visitantes à Imaculada Conceição.Dia 26/08 - Sexta-feira

19h - Santa Missa Festiva presidida pelo Revmo. Pároco da Paróquia Nossa Senhora do Pilar; com participação especial dos paroquianos. Ao final, homenagem dos visitantes à Imaculada Conceição.

20h - Apresentação da Escola de Música Pe. Simões e da Escola de Música São Pio X no interior do Santuário.

Fonte: O tempo